As Buscas pelo Jesus Histórico: Avanços, Limites e a Relevância da Terceira Busca na Rejudaização de Jesus

 



A pesquisa sobre o chamado Jesus histórico emerge no contexto do Iluminismo europeu, como esforço crítico de separar o “Cristo da fé” (criado pelas comunidades cristãs e dogmas eclesiásticos) do “Jesus da história” (personagem histórico do primeiro século, judeu da Palestina romana). Esse movimento analítico percorreu distintas fases — chamadas tradicionalmente de Primeira, Segunda e Terceira Buscas — que refletem tanto os limites teóricos de cada época quanto avanços metodológicos significativos. Neste breve estudo, buscaremos demonstrar que as primeiras tentativas falharam sobretudo por deslocar Jesus de seu contexto judaico palestinense, enquanto a chamada Terceira Busca alcançou maior assertividade histórica ao reinseri-lo como profeta apocalíptico e carismático do Judaísmo do Segundo Templo, em consonância com as melhores evidências arqueológicas, textuais e sociológicas disponíveis.

1. A Primeira Busca: projeções iluministas sobre Jesus

A chamada Primeira Busca (final do século XVIII ao final do XIX) emerge no contexto racionalista do Iluminismo, notadamente nos estudos de Reimarus, Strauss e Renan. Tais autores viam Jesus como um mestre moral ilustrado, livre de dogmas sobrenaturais, cuja mensagem teria sido posteriormente deturpada pelos apóstolos [1]. O critério que regia essa abordagem era a recusa do elemento miraculoso e uma ênfase em valores morais universais.
Todavia, tal reconstrução não levou em conta o ambiente apocalíptico e messiânico do judaísmo do primeiro século, projetando em Jesus os ideais burgueses e liberais do Ocidente moderno [2]. Esse anacronismo explica, em parte, o colapso epistemológico dessa fase, pois Jesus não poderia ser adequadamente compreendido fora da expectativa escatológica judaica do período [3].

2. A Segunda Busca: a problemática da “dessemelhança”

Na esteira das críticas de Rudolf Bultmann, que considerava impossível acessar o Jesus histórico puro, a Segunda Busca (décadas de 1950-1970) reabriu a pesquisa histórica tentando estabelecer critérios críticos mais rigorosos, como a chamada dessemelhança (aquilo que não parecia derivar nem do judaísmo, nem do cristianismo posterior seria potencialmente autêntico)[4]. Contudo, tal critério implicava uma distorção metodológica: partia do pressuposto de que Jesus deveria ser algo radicalmente novo em relação ao judaísmo do seu tempo, quase um alienígena religioso, para que fosse considerado “autêntico”[5]. Isso levou a imagens de Jesus excessivamente desvinculadas de seu contexto, subestimando a continuidade de sua mensagem com a tradição profética e apocalíptica judaica [6].

3. A Terceira Busca: o retorno ao Jesus judeu apocalíptico

A partir da década de 1980, a Terceira Busca (Third Quest) representou uma reorientação metodológica crucial. Esta corrente entendeu que a figura de Jesus não pode ser interpretada fora do seu enraizamento no judaísmo do Segundo Templo [7]. Estudiosos como Geza Vermes, E. P. Sanders, John P. Meier, Paula Fredriksen e Dale Allison apontaram que Jesus partilhava plenamente a cosmovisão apocalíptica de seus contemporâneos, anunciando o Reino de Deus como realidade presente iminente [8]. As categorias messiânicas, proféticas e apocalípticas presentes nos textos do Novo Testamento dialogam intensamente com a literatura de Qumran, os escritos apocalípticos judaicos (por exemplo, 1 Enoque), e os movimentos de renovação do judaísmo do período [9]. Assim, faz mais sentido compreender Jesus como um pregador itinerante, carismático, dotado da fama de taumaturgo e exorcista, cuja mensagem se articulava a partir de convicções escatológicas judaicas compartilhadas [10].

4. A assertividade histórica da Terceira Busca

Os avanços arqueológicos (por exemplo, na Galileia), bem como a análise literária do Segundo Templo, fortaleceram a conclusão de que Jesus não foi um reformador ético universalista no estilo liberal, mas um Profeta Escatológico que falava a linguagem simbólica de seu povo oprimido pelo domínio romano [11]. Sua crítica social, seu anúncio de reversão das hierarquias e seu chamado à fidelidade a Deus se alinham ao padrão profético judaico, e não a um sistema ético desligado da história de Israel [12].

Além disso, a Terceira Busca adotou métodos interdisciplinares — arqueologia, sociologia do mundo antigo, antropologia cultural — que permitiram situar Jesus não como exceção total ao seu ambiente, mas como figura carismática típica do movimento profético apocalíptico do século I, semelhante em muitos aspectos aos pregadores que surgiram em momentos de crise sociopolítica judaica [13]. Essa recontextualização oferece maior solidez histórica, pois respeita a plausibilidade cultural e religiosa da Palestina romana, evitando projeções modernas que afetaram tentativas anteriores [14]. O resultado é uma figura de Jesus como Profeta Apocalíptico Carismático, sintonizado com as esperanças messiânicas judaicas e atuante dentro do horizonte de expectativas escatológicas de seu tempo [15].

Conclusão

Portanto as buscas anteriores, embora pioneiras, fracassaram ao descontextualizar Jesus de suas raízes judaicas e apocalípticas. A Terceira Busca, por outro lado, empregou instrumentos historiográficos e interdisciplinares mais refinados, reintegrando Jesus ao universo judaico do Segundo Templo. Esse retorno ao Jesus judeu apocalíptico e carismático do século I não apenas se mostra historicamente mais plausível, mas também lança luz sobre a gênese do Movimento Cristão Primitivo como derivação coerente das expectativas messiânicas do seu contexto.

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Notas

[1] REIMARUS, Hermann Samuel. Apologie oder Schutzschrift für die vernünftigen Verehrer Gottes (1778).
[2] STRAUSS, David Friedrich. Das Leben Jesu kritisch bearbeitet (1835).
[3] SCHWEITZER, Albert. The Quest of the Historical Jesus (1906).
[4] BULTMANN, Rudolf. Jesus and the Word (1934).
[5] MEIER, John P. A Marginal Jew, vol. 1 (1991), p. 174.
[6] FREDRIKSEN, Paula. From Jesus to Christ (2000), p. 59.
[7] SANDERS, E. P. Jesus and Judaism (1985), p. 11.
[8] VERMES, Geza. Jesus the Jew (1973), p. 41.
[9] ALLISON, Dale. Jesus of Nazareth: Millenarian Prophet (1998), p. 3.
[10] FREDRIKSEN, Paula. Jesus of Nazareth, King of the Jews (1999), p. 45.
[11] CROSSAN, John Dominic. The Historical Jesus (1991), p. 136.
[12] WRIGHT, N. T. Jesus and the Victory of God (1996), p. 207.
[13] HORSLEY, Richard A. Bandits, Prophets, and Messiahs (1985), p. 26.
[14] SANDERS, E. P. The Historical Figure of Jesus (1993), p. 12.
[15] ALLISON, Dale. Constructing Jesus (2010), p. 54.



DIOGO J. SOARES

Doutor (Ph.D.) em Novo Testamento e Origens Cristãs pelo Seminário Bíblico de São Paulo/SP (FETSB); Mestre (M.A.) em Teologia e Estudos Bíblicos pela Faculdade Teológica Integrada e graduado (Th.B.) pelo Seminário Unido do Rio de Janeiro (STU). Possuí Especialização em Ciências Bíblicas e Interpretação pelo Seminário Teológico Filadelfia/PR (SETEFI). Bacharel (B.A.) em História Antiga, Social e Comparada pela Universidade de Uberaba (UNIUBE/MG). É teólogo, biblista, historiador e apologista cristão evangélico.

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