Neste estudo investigaremos a presença do nome de Jesus nos Papiros Mágicos Gregos (PGM), com foco especial na invocação registrada em PGM IV.3007-3086, que menciona “Jesus, Deus dos Hebreus”. A partir da análise crítica da formulação mágica, sua datação e uso ritualístico, argumenta-se que o nome de Jesus já circulava como autoridade espiritual reconhecida fora dos círculos cristãos formais. Destaca-se a hipótese proposta pelo professor Craig A. Evans, que localiza a origem da fórmula antes da destruição do Templo de Jerusalém em 70 d.C., sugerindo um estágio inicial de sincretismo mágico-religioso. Com base em fontes primárias e secundárias, o presente estudo demonstra como o Jesus histórico, associado a exorcismos e curas nos Evangelhos, começa a ser entendido no mundo pagão como figura de poder espiritual eficaz.
1. Introdução
Os Papiros Mágicos Gregos (PGM) constituem um extenso corpus de textos esotéricos oriundos do Egito greco-romano, produzidos entre os séculos II a.C. e V d.C. Eles preservam fórmulas mágicas, exorcismos, hinos, encantamentos e orações utilizados por magos e curandeiros num ambiente sincrético que mescla tradições egípcias, gregas, judaicas e, posteriormente, cristãs. Dentre esses textos, uma das menções mais notáveis é a invocação:
“Eu te conjuro pelo Deus dos Hebreus, Jesus” (PGM IV.3007-3086)
A presença do nome “Jesus” neste contexto desperta questões significativas sobre a recepção extrabíblica da figura de Cristo no mundo não cristão e a difusão de sua fama como exorcista e taumaturgo.
2. O Papiro Mágico Grego IV e sua estrutura
O PGM IV, também conhecido como o "Grande Papiro de Paris", é um dos maiores e mais complexos documentos do corpus. Escrito em grego koiné e possivelmente com influências demóticas, ele data de aproximadamente séculos III–IV d.C., embora contenha fórmulas que, segundo alguns estudiosos, refletem tradições muito anteriores. No trecho específico (linhas 3007-3086), encontra-se um rito de exorcismo que emprega uma longa invocação composta por nomes divinos, palavras mágicas e epítetos poderosos. Em meio a esse conjunto aparece o nome de Jesus, atribuído ao “Deus dos Hebreus”:
“Eu te conjuro pelo Deus dos Hebreus, Jesus, diante de quem o fogo eterno arde, e o abismo treme...” (PGM IV.3037-3040).
3. A tese de Craig A. Evans sobre a origem da fórmula
O historiador Craig A. Evans propõe uma leitura inovadora da origem desta fórmula. Para Evans, embora o papiro em questão tenha sido copiado no século IV, a tradição ritual invocando “Jesus, Deus dos Hebreus” remonta, muito provavelmente, à primeira geração pós-Jesus, antes de 70 d.C. Ele argumenta que:
“A inserção do nome de Jesus em fórmulas já em circulação no Egito demonstra que, ainda no século I, seu nome era entendido como fonte de poder, especialmente em contextos de cura e exorcismo” [1].
O professor Evans ainda analisa paralelos com objetos arqueológicos, como o chamado “copo mágico de Alexandria”, no qual aparece uma inscrição interpretada como “por Cristo, o mágico”, sugerindo que já no primeiro século d.C., o nome de Jesus era manipulado ritualmente fora das fronteiras da Igreja. Sua principal hipótese é que Jesus foi absorvido no repertório mágico mediterrâneo precisamente por sua reputação como exorcista e curandeiro, reputação essa atestada tanto por fontes canônicas (Evangelhos) quanto por autores como Josefo (Antiguidades Judaicas 18.3.3), que menciona Jesus como realizador de “feitos maravilhosos” [2].
4. Outras interpretações e o debate acadêmico
Apesar da proposta de Evans, a maioria dos estudiosos é mais conservadora quanto à datação do PGM IV. Hans Dieter Betz, por exemplo, argumenta que o texto, em sua forma atual, deve ser lido como produto do século III ou IV, embora possa conter material mais antigo [3]. Roy Kotansky reconhece que muitos dos nomes mágicos e epítetos presentes nos PGM derivam de tradições orais bem anteriores à redação dos papiros existentes [4]. David Frankfurter, por sua vez, salienta que a inserção de figuras religiosas conhecidas — como Jesus — em fórmulas mágicas não implica necessariamente em devoção cristã. Para ele, trata-se de uma apropriação utilitária e sincrética:
“Jesus aparece nos papiros não como Messias ou Salvador, mas como figura espiritual de autoridade, semelhante a Hórus, Osíris ou Hermes” [5]. Essa leitura é consistente com o caráter pragmático da magia na Antiguidade Tardia: o importante não era a ortodoxia, mas a eficácia espiritual da invocação.
5. O nome de Jesus como nome de poder no mundo pagão
A presença de Jesus nos Papiros Mágicos Gregos reflete uma transposição de sua imagem dos Evangelhos para o repertório ritualístico greco-romano. Nos Evangelhos, Jesus é frequentemente descrito como alguém que:
Expulsa demônios (Mc 1:34; Lc 11:20)
Cura doentes com palavras ou toque (Mt 8:16; Jo 9)
É reconhecido pelos espíritos malignos como “Filho do Altíssimo” (Mc 5:7)
O reconhecimento de Jesus por demônios ou espíritos impuros é paralelo ao uso do seu nome em contextos de exorcismo mágico, como descrito no PGM IV. Esta continuidade revela que, desde cedo, a reputação do Senhor Jesus como taumaturgo ultrapassou as fronteiras judaicas e cristãs, sendo reconhecida também no mundo pagão. Isso é corroborado por documentos como o livro de Atos (19:13-17), onde judeus itinerantes tentam usar o nome de Jesus como fórmula mágica, o que mostra que sua eficácia era já então percebida como “pública” e não apenas restrita à fé cristã.
6. Considerações finais
Referências
[1] EVANS, Craig A. Jesus and the Remains of His Day: Studies in Jesus and the Evidence of Material Culture. Peabody: Hendrickson Publishers, 2015.
[2] JOSEFO, Flávio. Antiguidades Judaicas. Livro XVIII, 3.3. Tradução e comentários diversos. Disponível em edições clássicas e edições comentadas por estudiosos modernos.
[3] BETZ, Hans Dieter (Org.). The Greek Magical Papyri in Translation: Including the Demotic Spells. Chicago: University of Chicago Press, 1986.
[4] KOTANSKY, Roy. Greek Magical Amulets: The Inscribed Gold, Silver, Copper and Bronze Lamellae. (Papyrologica Coloniensia 22/1). Opladen: Westdeutscher Verlag, 1994.