A Ressurreição de Jesus de Nazaré é o evento central do cristianismo e, ao mesmo tempo, uma das ocorrências mais paradoxais e surpreendentes para o mundo antigo. O impacto desse evento transcende os limites da teologia, atingindo o campo da história, da antropologia religiosa e da filosofia. O espanto que provocou não foi limitado a um grupo religioso específico, mas afetou judeus, pagãos e até mesmo os próprios seguidores de Jesus, que não esperavam tal desfecho, de modo que o evento da Ressurreição se tornou algo de certo modo estranho e inusitado a compreensão e mentalidade do mundo antigo. Neste artigo analisaremos criticamente como a Ressurreição foi concebida pelas diferentes cosmovisões da Antiguidade e por que sua ocorrência no meio da história, em forma pessoal e antecipada, foi absolutamente inesperada e inusitada.
A Esperança Judaica e a Ressurreição Escatológica
O judaísmo do Segundo Templo, especialmente sob a influência farisaica, sustentava a crença em uma ressurreição dos mortos, mas esta era, em essência, coletiva, universal e escatológica. Isto é, seria um evento que ocorreria no "fim dos tempos", como parte da restauração final de Israel e do mundo. Textos como Daniel 12:2 e Isaías 26:19 indicam essa visão de uma ressurreição final, onde os mortos se levantariam para o julgamento e a renovação do mundo. Essa crença, entretanto, não admitia a possibilidade de uma ressurreição isolada, no meio da história, muito menos de alguém que havia sido executado de forma desonrosa como um criminoso público[1].
A ideia de um Messias crucificado e ressuscitado era, portanto, inconcebível dentro da expectativa judaica. Como afirma N.T. Wright, “nenhum judeu do século I esperava que um indivíduo, isoladamente, ressuscitasse antes da ressurreição geral. A ideia era simplesmente incongruente com a teologia e escatologia judaica da época”[2]. A ressurreição do Senhor Jesus, então, não só subverteu essas expectativas como forçou os primeiros cristãos a reinterpretar radicalmente o significado do tempo, da história e da esperança messiânica.
O Mundo Greco-Romano e a Hostilidade à Ressurreição Corporal
No mundo greco-romano, influenciado pela filosofia platônica, especialmente através do dualismo alma-corpo, a ressurreição corporal era vista não apenas como improvável, mas absurda e indesejável. Para Platão e seus seguidores, o corpo era um "cárcere da alma" (soma sema), e a morte era a libertação da alma para o mundo inteligível e eterno[3]. Reanimar o corpo, nessa perspectiva, seria um retrocesso espiritual total.
Autores como Cícero, Plutarco e mesmo os epicuristas viam o corpo como transitório, perecível e inferior ao espírito. Assim, a noção de que um ser humano pudesse voltar dos mortos em carne e osso era algo não apenas ilógico, mas risível. Isso é claramente ilustrado em Atos 17:32, onde os filósofos atenienses zombam de Paulo ao ouvirem sobre a “anástasis nekrôn” (ressurreição dos mortos). Como observa Larry Hurtado, “o escândalo da cruz foi acompanhado pelo absurdo da ressurreição; era uma ideia que transgredia tanto o bom senso filosófico quanto a sensibilidade religiosa”[4].
O Espanto dos Próprios Discípulos
Talvez o aspecto mais surpreendente do relato da Ressurreição seja o fato de que nem mesmo os discípulos de Jesus estavam esperando que tal coisa ocorresse. Os evangelhos descrevem uma reação de medo, dúvida e incredulidade frente ao túmulo vazio. Maria Madalena pensou que o corpo havia sido roubado (João 20:13-15), Tomé exigiu provas empíricas (João 20:24-29) e os discípulos, ao encontrarem Jesus, ficaram espantados, atônitos e sem reação (Lucas 24:36-41).
Isso sugere que, apesar dos ensinamentos de Jesus sobre sua própria morte e Ressurreição, seus seguidores não possuíam uma matriz conceitual para interpretar esses eventos como algo possível. Richard Bauckham argumenta que “a própria incredulidade dos discípulos é uma das evidências mais fortes da autenticidade do relato da ressurreição: eles não estavam predispostos a esperar, e muito menos a inventar, tal narrativa”[5].
A Ressurreição como Início de uma Nova Teologia
Diante da surpresa e da ruptura com todas as categorias anteriores, a ressurreição de Jesus obrigou a uma completa reformulação teológica. Para os primeiros cristãos, isso significava que a Nova Criação havia começado no meio da História — a antecipação escatológica em uma única Pessoa. A Ressurreição, então, tornou-se o sinal de que Deus havia inaugurado o Reino e vencido a morte de forma definitiva.
O apóstolo Paulo articula isso de maneira poderosa em 1 Coríntios 15, onde o Senhor Jesus é chamado de "as primícias dos que dormem", implicando que sua Ressurreição é a primeira de um processo escatológico ainda em andamento. A surpresa e espanto, portanto, se converte em certeza teológica e impulso missionário. Como observa Wolfhart Pannenberg, “se a ressurreição de Jesus realmente aconteceu, então ela é o evento escatológico que ilumina todo o tempo e história a partir de seu ponto focal”[6].
Conclusão
A Ressurreição do Senhor Jesus pegou o mundo antigo de surpresa em todos os níveis. Para os judeus, foi um desafio à escatologia tradicional; para os pagãos, uma afronta à filosofia do corpo; e para os discípulos, uma realidade inesperada que exigiu uma revisão profunda de suas crenças. Nenhum grupo religioso ou cultural do primeiro século estava preparado para esse evento a primeira vista "estranho" e inusitado. Isso, por si só, sustenta a singularidade e o impacto transformador da Ressurreição na origem e formação do cristianismo primitivo. O surgimento do movimento cristão, centrado na Ressurreição como Fato Histórico e Teológico, não pode ser explicado de forma coerente sem reconhecer a surpresa e o rompimento categorial que tal evento representou.
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Notas e Referências
1. SANDERS, E. P. Judaism: Practice and Belief, 63 BCE–66 CE. Philadelphia: Trinity Press International, 1992, p. 304-306.
2. WRIGHT, N. T. The Resurrection of the Son of God. Minneapolis: Fortress Press, 2003, p. 207-214.
3. PLATÃO. Fédon. In: HAMILTON, Edith; CAIRNS, Huntington (Org.). Os Diálogos de Platão. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 107-111. (Coleção Os Pensadores).
4. HURTADO, Larry W. Lord Jesus Christ: Devotion to Jesus in Earliest Christianity. Grand Rapids: Eerdmans, 2003, p. 169-172.
5. BAUCKHAM, Richard. Jesus and the Eyewitnesses: The Gospels as Eyewitness Testimony. Grand Rapids: Eerdmans, 2006, p. 480-485.
6. PANNENBERG, Wolfhart. Jesus – God and Man. 2. ed. Philadelphia: Westminster Press, 1977, p. 98-101.