A figura de Jesus de Nazaré é amplamente reconhecida pelos estudiosos como uma realidade histórica concreta, cuja existência influenciou profundamente os rumos da civilização ocidental. A discussão atual entre historiadores não se concentra em sua existência, mas nos contornos precisos de sua vida e missão na Galileia do século I. A presente análise propõe-se a examinar criticamente as principais fontes cristãs, judaicas e romanas, com destaque para os Evangelhos do Novo Testamento como documentos primários essenciais, a fim de confirmar a base e pessoa histórica de Jesus de Nazaré.
I. Fontes Cristãs: Os Evangelhos e as Cartas de Paulo
Os Evangelhos canônicos (Mateus, Marcos, Lucas e João) são reconhecidos como as fontes primárias mais relevantes para a reconstrução da vida de Jesus. A tradicional hipótese da prioridade de Marcos, segundo a qual Marcos teria sido o primeiro Evangelho escrito, tem sido contestada por estudiosos como William R. Farmer e pelo presente autor, que defende a prioridade de Mateus. Segundo Farmer, Mateus foi o primeiro Evangelho composto e serviu como base tanto para Marcos quanto para Lucas, desafiando a teoria das duas fontes (FARMER, 1976, p. 15-20).
A defesa da prioridade de Mateus reforça a ideia de que desde os primeiros momentos da tradição cristã havia uma preocupação com a preservação histórica e doutrinária dos ensinamentos de Jesus, de modo que os Evangelhos Sinóticos foram compostos durante o período de vida das testemunhas oculares (BAUCKHAM, 2006, p. 7), aproximadamente entre os 50 e 64 d.C, isto sugere indubitavelmente uma datação precoce; o presente autor corrobora esta afirmativa segundo evidências internas. (SOARES, Artigo, 2025.). Robert H. Gundry, por sua vez, destaca que, mesmo reconhecendo a dimensão teológica dos Evangelhos, suas análises exegéticas demonstram uma forte intenção de relatar fatos reais da vida de Jesus, inseridos em um contexto histórico verificável (GUNDRY, 1994, p. 37-42).
As cartas de Paulo, escritas entre 50 e 60 d.C., são os registros cristãos mais antigos. Paulo, embora não tenha conhecido Jesus em vida, confirma aspectos fundamentais de sua historicidade: Jesus nasceu judeu (Gálatas 4:4), foi crucificado e ressuscitou (1 Coríntios 15:3-8). Tais afirmações, dirigidas às primeiras comunidades cristãs, refletem uma tradição consolidada sobre Jesus como figura histórica. (MEIER, 1991, p. 104-107).
II. Fontes Judaicas: O Testemunho de Flávio Josefo
Flávio Josefo, historiador judeu do século I, é uma fonte externa crucial para a historicidade de Jesus. Em sua obra Antiguidades Judaicas, ele menciona Jesus duas vezes. O chamado Testimonium Flavianum (Ant. 18.63-64) descreve Jesus como “um homem sábio” e relata sua crucificação. Apesar de interpolações cristãs serem reconhecidas, estudiosos como Louis Feldman e John P. Meier afirmam que um núcleo autêntico sobre Jesus é verossímil. (FELDMAN, 1984, p. 684-692; MEIER, 1991, p. 57-59).
Outra passagem (Ant. 20.20) refere-se a Tiago, “irmão de Jesus, chamado Cristo”, sendo esta citação amplamente considerada genuína e um forte testemunho indireto da existência de Jesus. (MEIER, 1991, p. 57-59).
III. Fontes Romanas: Tácito, Suetônio e Plínio, o Jovem
Fontes romanas também corroboram a existência de Jesus. Tácito, em Anais (15.44), escrita por volta de 116 d.C., afirma que “Cristo”, fundador do movimento cristão, foi executado por Pôncio Pilatos sob o reinado de Tibério. (TÁCITO, 1963, p. 2). Esta é uma referência independente e hostil, o que lhe confere alto valor histórico.
Suetônio menciona que o imperador Cláudio expulsou judeus de Roma por causa de distúrbios provocados por “Chrestus” (SUETÔNIO, 2007, p. 202). Muitos estudiosos entendem esta citação como reflexo da atividade dos seguidores de Jesus, já então presentes na capital romana.
Plínio, o Jovem, em carta ao imperador Trajano, relata práticas cristãs e a adoração a Cristo como a um deus, evidenciando a rápida expansão do movimento fundado por Jesus. (PLÍNIO, 1963, p. 4).
IV. A Perspectiva Histórica: Jesus como Figura Real da História
A evidência textual e documental leva à conclusão de que Jesus de Nazaré foi uma figura histórica concreta, cujos ensinamentos e morte influenciaram profundamente a formação do cristianismo primitivo. A "Terceira Busca pelo Jesus Histórico" adota critérios críticos rigorosos, como o da múltipla atestação e do embaraço, para validar eventos e ditos atribuídos a Jesus (FUNK; HOOVER, 1993, p. 15-20), estudiosos como E.P. Sanders e Geza Vermes descrevem Jesus como um profeta judeu carismático, apocalíptico, profundamente enraizado na tradição religiosa de seu tempo. (SANDERS, 1993, p. 52; VERMES, 1973, p. 40-46). Sua crucificação, registrada em múltiplas fontes, é vista como um fato histórico incontestável. Robert H. Gundry reforça que os detalhes da paixão de Jesus demonstram coerência histórica e literária com os registros da época, não sendo meramente construções posteriores. (GUNDRY, 1994, p. 112-118).
Conclusão
Portanto a análise das fontes cristãs, judaicas e romanas confirma a existência histórica de Jesus de Nazaré. Os Evangelhos, ainda que de natureza teológica, oferecem relatos consistentes com a realidade do século I, sustentados por testemunhos externos e critérios críticos rigorosos. Jesus emerge como uma figura real, cuja vida e ensinamentos deram origem ao cristianismo e moldaram a história subsequente. A abordagem historiográfica moderna reforça a confiabilidade desses testemunhos, permitindo afirmar com segurança que Jesus foi, de fato, um personagem histórico.
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Referências
EHRMAN, Bart D. Did Jesus Exist? The Historical Argument for Jesus of Nazareth. New York: HarperOne, 2012.
FARMER, William R. The Synoptic Problem: A Critical Analysis. New York: Macmillan, 1976.
FELDMAN, Louis H. Josephus and Modern Scholarship (1937–1980). Berlin: Walter de Gruyter, 1984.
FUNK, Robert W.; HOOVER, Roy W.; JESUS SEMINAR. The Five Gospels: What Did Jesus Really Say?. New York: Macmillan, 1993.
GUNDRY, Robert H. Matthew: A Commentary on His Handbook for a Mixed Church Under Persecution. Grand Rapids: Eerdmans, 1994.
SOARES, Diogo J. A Datação dos Evangelhos Sinóticos Antes do Ano 70 d.C.: Uma Análise Histórica e Crítica. 2025 Artigo: https://www.diogojsoares.com.br/2025/03/a-datacao-dos-evangelhos-sinoticos.html
BAUCKHAM, Richard. Jesus and the Eyewitnesses: The Gospels as Eyewitness Testimony. Grand Rapids: Eerdmans, 2006, p. 7; 2° ed. 2017.
MEIER, John P. A Marginal Jew: Rethinking the Historical Jesus. New Haven: Yale University Press, 1991. v. 1.
PLÍNIO, o Jovem. Epístolas. In: BETTENSON, Henry. Documents of the Christian Church. Oxford: Oxford University Press, 1963.
SANDERS, E. P. The Historical Figure of Jesus. London: Penguin Books, 1993.
SUETÔNIO. The Twelve Caesars. London: Penguin Classics, 2007.
TÁCITO. Anais. In: BETTENSON, Henry. Documents of the Christian Church. Oxford: Oxford University Press, 1963.
VERMES, Geza. Jesus the Jew: A Historian's Reading of the Gospels. Philadelphia: Fortress Press, 1973.
SINÓTICOS: Termo utilizado principalmente no contexto bíblico e teológico para se referir aos três primeiros Evangelhos do Novo Testamento: Mateus, Marcos e Lucas. Esses Evangelhos são chamados de "Sinóticos" porque apresentam uma "visão conjunta" ou "visão comum" da vida, ministério, morte e ressurreição de Jesus Cristo. A palavra "sinótico" vem do grego synopsis, que significa "ver juntos". Os Evangelhos Sinóticos compartilham grande parte do seu conteúdo, ordem cronológica, e estrutura narrativa, ao contrário do Evangelho de João, que possui características distintas. A semelhança entre os Sinóticos permite comparações paralelas, facilitando o estudo teológico e histórico.