O Equívocos do Ensino Pré-Tribulacionista


        

"O Equívocos da Ensino Pré-Tribulacionista"

  

A escatologia cristã é uma das áreas mais debatidas da teologia sistemática. Dentre as várias abordagens, o pré-tribulacionismo dispensacionalista ganhou popularidade no século XIX e XX, especialmente nos contextos evangélicos norte-americanos. Esta doutrina sustenta que a Igreja será arrebatada antes do período da Grande Tribulação, escapando dos julgamentos divinos que virão sobre o mundo. Entretanto, ao se analisar esta posição à luz da história da interpretação bíblica, da teologia e da exegese do Novo Testamento, percebe-se que tal concepção carece de fundamentação sólida.

Origens Históricas do Pré-Tribulacionismo

O pré-tribulacionismo como é conhecido hoje não possui precedentes patísticos ou medievais claros. Ele surge na primeira metade do século XIX, no contexto do movimento Irmãos de Plymouth, com John Nelson Darby, e é posteriormente difundido pela Bíblia de Referência Scofield. A posição não era conhecida nas eras patrística, reformada ou mesmo no evangelicalismo anterior ao século XIX.

George Eldon Ladd argumenta que "nenhuma forma do pré-tribulacionismo pode ser encontrada antes de 1830, e a história da Igreja primitiva é quase unânime em situar a segunda vinda de Cristo após a tribulação" [1]. Craig Blomberg também ressalta que "a doutrina do arrebatamento pré-tribulacional é uma inovação moderna que não tem paralelo na teologia da Igreja primitiva" [2].

Argumentos Pré-Tribulacionistas e Textos Usados

1. 1 Tessalonicenses 4:16-17: Utilizado como prova do arrebatamento secreto, com a Igreja sendo levada antes da Tribulação. Contudo, o texto não estabelece um período entre o arrebatamento e a volta visível de Cristo. Não há indício de duas fases da parousia. Anthony Hoekema observa que "o Novo Testamento sempre apresenta a segunda vinda de Cristo como um único evento glorioso e universal" [3].

2. Apocalipse 3:10: "Eu te guardarei da hora da provacão" é interpretado como remoção física da terra. Mas o verbo grego tēreō ek pode significar "preservar em meio a", como em João 17:15, onde Jesus ora para que os discípulos sejam guardados do mal sem serem tirados do mundo. Ben Witherington III salienta que a gramática e o contexto não justificam uma retirada da Igreja da terra [4].

3. 1 Tessalonicenses 5:9: "Deus não nos destinou para a ira". A ira aqui, porém, é escatológica e final, não necessariamente limitada ao período da Tribulação. O texto fala do juízo final, não de um escape do sofrimento terreno. Millard Erickson reforça que essa passagem não implica em um arrebatamento pré-tribulacional [5].

4. 2 Tessalonicenses 2:6-7: O "que o detém" é interpretado como o Espírito Santo ou a Igreja, mas essa é uma inferência, não uma afirmação exegética. O texto fala do "homem da iniquidade" que só será revelado após certos eventos, mas não menciona arrebatamento.

Refutação Bíblica e Exegética

Mateus 24:29-31: Jesus afirma que "após a tribulação daqueles dias" o Filho do Homem virá e enviará os seus anjos com grande som de trombeta para reunir os eleitos. Esta é a descrição mais clara de um "arrebatamento" e ela ocorre depois da tribulação. Grant Osborne enfatiza que essa passagem é fundamental para uma escatologia pós-tribulacionista [6].

2 Tessalonicenses 2:1-4: Paulo liga diretamente a nossa reunião com Cristo à revelação do anticristo, que ocorrerá primeiro. Isso contradiz a ideia de um arrebatamento antes da Tribulação. N. T. Wright afirma que Paulo claramente refuta a ideia de uma retirada antes da tribulação [7].

Apocalipse 13 e 14: Os santos estão presentes durante o reinado da besta. Apocalipse 14:12 chama à perseverança dos santos "que guardam os mandamentos de Deus e a fé em Jesus", mostrando que a Igreja não foi retirada.

João 17:15: Jesus ora para que seus seguidores não sejam tirados do mundo, mas guardados nele. Isso é inconsistente com uma escatologia que remove a Igreja do mundo antes do sofrimento.

O Ensino Pós-Tribulacionista como Alternativa Bíblica

O pós-tribulacionismo sustenta que a Igreja passará pela Tribulação, sendo purificada e testemunhando de Cristo, antes de ser arrebatada na segunda vinda. Este ponto de vista possui apoio mais sólido nas Escrituras e era o entendimento predominante na Igreja primitiva. Irineu, no século II, escreve: "a Igreja será perseguida pelo anticristo antes da vinda de Cristo" [8].

George Eldon Ladd, renomado biblista do Novo Testamento, defende: "A Segunda Vinda e o arrebatamento são um único evento. A ideia de duas fases não encontra apoio no Novo Testamento" [9]. Robert Gundry também rejeita o pré-tribulacionismo, afirmando que "a doutrina não pode ser sustentada com base na exegese honesta do Novo Testamento" [10].

Conclusão

Portanto a doutrina pré-tribulacionista, apesar de sua popularidade em certos meios evangélicos, não se sustenta biblicamente nem historicamente. Sua base exegética é fraca, fundamentada em inferências e leitura teológica forçada de textos isolados. O testemunho bíblico mais claro e coerente é o de uma Igreja que permanece fiel durante a tribulação, sendo arrebatada na vinda gloriosa de Cristo. O ensino pós-tribulacionista é, portanto, segundo o presente autor mais fiel às Escrituras e à tradição cristã histórica.

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Notas e Referências

[1] LADD, George Eldon. The Blessed Hope. Grand Rapids: Eerdmans, 1956. p. 31. 

[2] BLOMBERG, Craig. A Case for Historic Premillennialism. Grand Rapids: Baker Academic, 2009. p. 60. 

[3] HOEKEMA, Anthony A. The Bible and the Future. Grand Rapids: Eerdmans, 1979. p. 125. 

[4] WITHERINGTON III, Ben. Revelation. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p. 89. 

[5] ERICKSON, Millard J. Christian Theology. Grand Rapids: Baker Academic, 1998. p. 1221. 

[6] OSBORNE, Grant R. Matthew. Grand Rapids: Zondervan, 2010. p. 895. 

[7] WRIGHT, N. T. Paul and the Faithfulness of God. Minneapolis: Fortress Press, 2013. p. 1371. 

[8] IRINEU DE LIÃO. Contra as Heresias, Livro V, cap. 25. 

[9] LADD, George Eldon. The Last Things. Grand Rapids: Eerdmans, 1978. p. 69. 

[10] GUNDRY, Robert H. The Church and the Tribulation. Grand Rapids: Zondervan, 1973. p. 53.






DIOGO J. SOARES

Doutor (Ph.D.) em Novo Testamento e Origens Cristãs pelo Seminário Bíblico de São Paulo/SP (FETSB); Mestre (M.A.) em Teologia e Estudos Bíblicos pela Faculdade Teológica Integrada e graduado (Th.B.) pelo Seminário Unido do Rio de Janeiro (STU). Possuí Especialização em Ciências Bíblicas e Interpretação pelo Seminário Teológico Filadelfia/PR (SETEFI). Bacharel (B.A.) em História Antiga, Social e Comparada pela Universidade de Uberaba (UNIUBE/MG). É teólogo, biblista, historiador e apologista cristão evangélico.

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