A Ressurreição de Jesus de Nazaré constitui o núcleo do kerigma cristão primitivo (kērygma, anúncio, pregação, proclamação), proclamado com insistência já nas primeiras décadas após a morte de Jesus: “Cristo morreu pelos nossos pecados, foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, aparecendo a muitos” (1Cor 15,3-5). A questão que se coloca, tanto para a Historiografia quanto para a Teologia, é se esse anúncio pode ser entendido como um fato histórico ou se se trata apenas de uma construção mítica ou subjetiva. No presente estudo buscaremos analisar as evidências disponíveis, contrastando hipóteses, avaliando a mentalidade do século I e oferecendo uma conclusão crítica sobre o estatuto histórico da Ressurreição.
1. A Morte de Jesus como Fato Histórico
Poucos eventos da Antiguidade estão tão bem atestados como a crucificação de Jesus.
Fontes cristãs (Evangelhos, Cartas Paulinas),
Fontes judaicas (Flávio Josefo, Talmude)
Fontes romanas (Tácito, Suetônio)
Todas convergem em afirmar que Jesus foi executado sob Pôncio Pilatos. Como observa E. P. Sanders, “a crucificação é um dos fatos mais seguros da vida de Jesus”[1].
Este ponto de partida é fundamental: a morte de Jesus, de forma vergonhosa e pública, é um dado histórico amplamente reconhecido.
2. O Testemunho Apostólico e sua Antiguidade
Logo após a morte de Jesus, início dos anos 30 d.C, seus discípulos começaram a proclamar que ele havia ressuscitado.
O testemunho mais antigo encontra-se em 1Cor 15,3-8, onde Paulo preserva uma tradição recebida, provavelmente formulada poucos anos após a crucificação.
Esse texto lista testemunhas específicas: Pedro, os Doze, Tiago, mais de quinhentos irmãos e o próprio Paulo.
N. T. Wright argumenta que “essa tradição não é fruto de reflexão tardia, mas pertence à camada mais primitiva do cristianismo, surgida em Jerusalém imediatamente após a morte de Jesus”[2]. Portanto, o testemunho da ressurreição está enraizado muito próximo ao evento, e não em desenvolvimentos míticos posteriores.
3. A Transformação dos Discípulos
Um dos aspectos mais significativos é a transformação radical dos discípulos:
Antes da crucificação, estavam desarticulados e temerosos.
Após a Páscoa, aparecem como pregadores ousados, dispostos a enfrentar prisões, perseguições e até a morte.
Larry Hurtado destaca que “a devoção a Jesus como Senhor surgiu de forma súbita, intensa e sem paralelos, algo que requer uma causa igualmente extraordinária”[3].
Explicar essa transformação apenas como “alucinações” ou “autoengano” parece insuficiente, especialmente porque o fenômeno foi coletivo e persistente.
4. Hipóteses Alternativas
Várias hipóteses tentaram explicar a origem da fé na ressurreição:
Roubo do corpo: implausível, pois não explica as aparições múltiplas e nem o fato de que os discípulos estavam dispostos a morrer por sua mensagem.
Alucinações coletivas: psicologicamente improvável em grupos distintos e em diferentes contextos.
Mito tardio: refutado pela antiguidade da tradição paulina.
Como resume Martin Hengel, “a fé na ressurreição não foi fruto de invenção; ela exigiu um acontecimento real que servisse de base para a transformação da comunidade”[4].
5. O Limite da História
É importante reconhecer os limites da análise histórica:
A história pode atestar que os discípulos creram sinceramente na ressurreição e proclamaram-na como um fato.
Pode também afirmar que essa crença transformou radicalmente suas vidas e deu origem ao Cristianismo Primitivo.
Porém, a afirmação de que “Deus ressuscitou Jesus” transcende o âmbito da Historiografia e pertence ao domínio da Fé e da Teologia.
Como afirma Rudolf Bultmann, “a ressurreição não é um evento verificável por métodos históricos, mas é o evento da fé”[5]. Já Wright insiste que a hipótese da ressurreição é “a melhor explicação histórica para o surgimento do cristianismo”[2], o presente autor reconhece que a Historiografia secular não é capaz de explicar o fenômeno da Ressurreição, pois é algo que pertence ao campo do transcendente, contudo as evidências historicas disponíveis apontam para algo sobrenatural e impactante testemunhado pelos discípulos.
Conclusão
À luz das evidências, podemos concluir que:
1. A morte de Jesus por crucificação é um fato histórico inquestionável.
2. Poucos anos depois, os discípulos proclamavam com convicção que Ele havia ressuscitado.
3. Essa proclamação não pode ser reduzida a mito, invenção ou alucinação, mas corresponde a uma experiência que eles entenderam como um evento real.
4. Historicamente, o que se pode afirmar é que houve um acontecimento extraordinário que transformou os discípulos e deu origem ao Cristianismo.
5. Interpretar esse acontecimento como a ressurreição de Cristo realizada por Deus é um passo que ultrapassa a história e pertence ao âmbito da fé.
Assim, o evento da ressurreição deve ser compreendido como um fato histórico interpretado teologicamente, cuja força repousa na convicção dos primeiros discípulos de que Deus havia agido na História de forma única e definitiva.
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Referências
[1] SANDERS, E. P. Paul and Palestinian Judaism. Philadelphia: Fortress Press, 1977.
[2] WRIGHT, N. T. The Resurrection of the Son of God. Minneapolis: Fortress Press, 2003.
[3] HURTADO, Larry. Lord Jesus Christ: Devotion to Jesus in Earliest Christianity. Grand Rapids: Eerdmans, 2003.
[4] HENGEL, Martin. Crucifixion in the Ancient World and the Folly of the Message of the Cross. Philadelphia: Fortress Press, 1977.
[5] BULTMANN, Rudolf. Neues Testament und Mythologie. Hamburg: Herbert Reich, 1941.
