O lema “Jesus ist Sieger” (Jesus é Vencedor), cunhado pelo pastor e teólogo alemão Johann Christoph Blumhardt (1805–1880), nasceu de um contexto pastoral marcado pelo confronto espiritual em Möttlingen. Mais que um grito de fé, tornou-se uma chave hermenêutica para compreender a mensagem do Novo Testamento. De fato, a afirmação de que Jesus venceu o pecado e as forças do mal na cruz não apenas ressoa nas páginas bíblicas, mas foi sistematizada por teólogos e biblistas de distintas épocas: Cullmann, Ladd, Pannenberg, Wright, Jeremias, Dunn, Bauckham, Wellum, Gundry e outros. O que une todos é a convicção de que a vitória de Cristo está inscrita tanto na História quanto na Escatologia — já realizada e ainda aguardada.
1. Fundamentos bíblicos: pecado e vitória cósmica
Nos Evangelhos, a atividade do Senhor Jesus já anuncia Vitória. Seus exorcismos e curas não são incidentes isolados, mas sinais de que o Reino de Deus está rompendo no presente (Mc 1:15; Lc 11:20). Jesus anuncia que sua missão é “amarrar o valente” (Mc 3:27), imagem que aponta para a derrota de Satanás. Joachim Jeremias mostrou que as parábolas e os atos de Jesus só podem ser entendidos dentro do horizonte escatológico judaico: O Senhor Jesus se apresenta como aquele em quem o futuro de Deus invade o presente [1]. Nas cartas de Paulo, a cruz é interpretada em duas chaves: Substituição Penal e Vitória Cósmica. Em Romanos 3:25, Paulo apresenta Cristo como propiciação (hilastērion), tomando sobre si o juízo divino. Já em Colossenses 2:15, afirma que na cruz Cristo “despojou principados e potestades, triunfando sobre eles”. Para George Eldon Ladd, esses dois aspectos não competem, mas se complementam: Cristo morreu em lugar do pecador e, nesse ato, desarmou as forças espirituais do mal [2].
2. Johann Christoph Blumhardt: o lema Jesus ist Sieger
A proclamação de Blumhardt, fruto de seu enfrentamento com forças demoníacas, ressoava como aplicação pastoral da mensagem de Paulo e dos evangelhos. Para ele, a vitória de Cristo já era realidade presente, embora sua manifestação plena ainda fosse futura. Wolfhart Pannenberg reconheceria mais tarde que a Ressurreição é exatamente essa antecipação do futuro no presente: um evento histórico que já contém em si a consumação da Vitória Divina [3]. Assim, o lema de Blumhardt se conecta organicamente à escatologia cristã: a vitória já conquistada, mas ainda não plenamente manifestada.
3. Escatologia inaugurada e a História da Salvação
Oscar Cullmann sistematizou esse dinamismo no conceito de escatologia inaugurada. A Cruz e Ressurreição são a “batalha decisiva” (Dia D), enquanto o fim dos tempos é o “Dia da Vitória” (Dia V). Para ele, a história está sob o signo da vitória já assegurada [4].
George Eldon Ladd transportou essa noção ao contexto evangélico: o Reino de Deus é tanto presente quanto futuro. Ladd vê no “já, mas ainda não” a chave hermenêutica para todo o Novo Testamento — e, em termos práticos, para a vida cristã vivida entre Cruz e Glória [2].
Wolfhart Pannenberg ampliou a dimensão histórica dessa visão, ao afirmar que a Ressurreição de Jesus é uma prólepsis escatológica: o futuro de Deus antecipado no tempo, fundamento da esperança universal [3].
N. T. Wright, por sua vez, contextualiza esse quadro dentro da História de Israel. Para ele, Jesus é o clímax da narrativa bíblica, cumprindo a vocação de Abraão/Israel (Gn 12:3) de ser bênção para todas as nações. Sua Ressurreição é o início real da nova criação, e sua morte carrega dimensões tanto substitutivas quanto cósmicas. Ao articular história e teologia, Wright dá corpo narrativo à escatologia inaugurada [5].
4. Outros diálogos necessários
James D. G. Dunn contribui ao enfatizar a memória comunitária de Jesus: os evangelhos não são relatos míticos tardios, mas Memória Viva da comunidade que experimentou o poder do Ressuscitado [6]. Richard Bauckham reforça isso afirmando que os evangelhos derivam de Testemunhos Oculares diretos, dando ainda mais peso histórico à confissão de Jesus como Senhor desde o início [7].
Stephen Wellum traz a contribuição da teologia das alianças: a Cruz é cumprimento da promessa abraâmica, unindo vitória cósmica e substituição penal numa única obra redentora. Já Robert H. Gundry lembra da necessidade de cautela metodológica, apontando os limites entre reconstrução histórica e confissão teológica — ainda que reconheça a força da leitura de Wright e de outros [8].
5. História da Salvação: de Gênesis a Apocalipse
A vitória de Cristo só pode ser compreendida dentro do arco maior da História da Salvação (Heilsgeschichte):
Gênesis 3:15: a promessa da descendência que esmagaria a serpente.
Gênesis 12:3: a promessa a Abraão de Bênção Universal.
Profetas: expectativa do Messias Redentor/Libertador.
Evangelhos e Paulo: Cumprimento em Cristo, tanto em Substituição pelo pecado quanto em Vitória Cósmica.
Apocalipse: Consumação Final, quando o Cordeiro entronizado se revela Vencedor Universal (Ap 5:5–10).
Aqui, como lembra Cullmann, a vitória já é definitiva, mas sua consumação aguarda o fim. Como enfatiza Pannenberg, a ressurreição é a primeira explosão da nova criação. E como sintetiza Blumhardt, a igreja proclama no presente: “Jesus é Vitorioso”.
Conclusão
O lema pastoral de Blumhardt encontrou eco na tradição acadêmica de Cullmann, Ladd, Pannenberg, Wright, do presente autor e tantos outros. Todos, cada um a seu modo, convergem para afirmar que a Cruz e a Ressurreição de Cristo constituem o evento central da História e da Escatologia:
Substituição penal: Cristo assume a culpa e a pena do pecado humano.
Vitória cósmica: Cristo derrota as forças espirituais do mal.
Nova criação: a ressurreição inaugura o futuro de Deus no presente.
Assim, a confissão de que Jesus é Vitorioso não é apenas experiência pastoral nem fórmula devocional, mas a síntese da proclamação bíblica e da reflexão teológica: o passado da promessa, o presente da vitória e o futuro da consumação se encontram em Cristo.
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Referências
[1] JEREMIAS, Joachim. The Parables of Jesus. London: SCM Press, 1972.
JEREMIAS, Joachim. Jerusalem in the Time of Jesus. Philadelphia: Fortress Press, 1969.
[2] LADD, George Eldon. The Presence of the Future: The Eschatology of Biblical Realism. Grand Rapids: Eerdmans, 1974.
LADD, George Eldon. A Theology of the New Testament. Grand Rapids: Eerdmans, 1993.
[3] PANNENBERG, Wolfhart. Jesus – God and Man. 2. Ed. Philadelphia: Westminster Press, 1977.
[4] CULLMANN, Oscar. Christ and Time: The Primitive Christian Conception of Time and History. London: SCM Press, 1962.
[5] WRIGHT, N. T. Jesus and the Victory of God. Minneapolis: Fortress Press, 1996.
WRIGHT, N. T. The Resurrection of the Son of God. Minneapolis: Fortress Press, 2003.
[6] DUNN, James D. G. Jesus Remembered. Grand Rapids: Eerdmans, 2003.
[7] BAUCKHAM, Richard. Jesus and the Eyewitnesses: The Gospels as Eyewitness Testimony. 2. ed. Grand Rapids: Eerdmans, 2017.
BAUCKHAM, Richard. Jesus and the God of Israel: God Crucified and Other Studies on the New Testament’s Christology of Divine Identity. Grand Rapids: Eerdmans, 2008.
[8] GUNDRY, Robert H. “Review of Jesus and the Victory of God by N. T. Wright.” Books & Culture, 1997.
WELLUM, Stephen J.; GENTRY, Peter J. Kingdom Through Covenant: A Biblical-Theological Understanding of the Covenants. Wheaton: Crossway, 2012.