Neste breve artigo abordaremos a afirmação da ressurreição corporal de Jesus Cristo conforme atestada em Gálatas 1:1, analisando o contexto histórico, gramatical e teológico da passagem, bem como seu desenvolvimento nas cartas paulinas e na patrística. Argumenta-se que a crença em uma ressurreição corporal não apenas está no cerne da teologia paulina, mas também foi unanimemente sustentada pelos primeiros teólogos cristãos contra interpretações espiritualizantes ou gnósticas.
1. A Ressurreição
A Ressurreição do Senhor Jesus constitui o evento fundador da fé cristã. Não apenas como um dogma teológico, mas como uma afirmação histórica precoce, ela se manifesta de modo cristalino nas cartas de Paulo, especialmente na epístola aos Gálatas. Escrita por volta de 48 d.C., esta é uma das primeiras expressões literárias do cristianismo e revela uma cristologia já centrada na morte e ressurreição de Jesus.
O lugar de Gálatas como possivelmente a primeira carta paulina é debatido entre os estudiosos. Alguns sugerem que 1 Tessalonicenses seja anterior, datando por volta de 50/51 d.C., escrita durante a segunda viagem missionária de Paulo. No entanto, um número significativo de biblistas incluindo o presente autor, favorece Gálatas como a primeira epístola, com datação anterior ao Concílio de Jerusalém (At 15), o que colocaria sua redação por volta de 48 d.C. Essa leitura é defendida, por exemplo, por estudiosos como Ben Witherington III e John Stott, que argumentam que o tom urgente e a ausência de qualquer menção ao concílio indicam que Paulo ainda não havia participado dessa decisão apostólica [6]. A compreensão de Gálatas como a primeira carta lança luz significativa sobre a antiguidade da teologia da ressurreição em sua forma mais estruturada.
2. Gálatas 1:1 e a Ressurreição
O texto grego de Gálatas 1:1 declara:
- "Paulo, apóstolo — não da parte de homens, nem por meio de homem algum, mas por Jesus Cristo e por Deus Pai, que o ressuscitou dentre os mortos (τοῦ ἐγείραντος αὐτὸν ἐκ νεκρῶν)."
O verbo ἐγείραντος (“egeírantos”), participio aoristo ativo do verbo ἐγείρω (“egeirō”), indica uma ação completa e definitiva realizada por Deus Pai, enfatizando a corporeidade do evento. Como observa F.F. Bruce, "Paulo não via a ressurreição como um simbolismo espiritual, mas como um evento histórico e corporal que fundamenta sua autoridade apostólica"[1].
3. A Teologia Paulina da Ressurreição
A teologia paulina, como exposta em Gálatas, 1 Tessalonicenses, 1 Coríntios e Romanos, é profundamente marcada por uma compreensão real e corporal da ressurreição. Em 1 Coríntios 15:3-5, Paulo transmite uma tradição já estabelecida sobre a morte e ressurreição de Jesus, indicando que esta crença era essencial desde os primeiros anos do cristianismo. Como afirma N.T. Wright, "Paulo herda e reformula uma crença judaica na ressurreição corporal à luz do evento surpreendente da ressurreição de Jesus como um fato histórico singular"[2].
4. O Testemunho Patrístico: Continuidade e Defesa
4.1 Inácio de Antioquia
Inácio, escrevendo por volta de 107 d.C., reage contra o docetismo, enfatizando que Jesus "realmente morreu" e "realmente ressuscitou" dos mortos [3]. Para ele, negar a corporeidade da ressurreição era equivalente a esvaziar a fé cristã de seu conteúdo redentor.
4.2 Justino Mártir
Justino, em sua "Primeira Apologia" e "Diálogo com Trifão", combate ideias platônicas e gnósticas que negavam a redenção do corpo. Ele escreve: "não ressuscitam apenas as almas, mas também os corpos"[4]. Essa afirmação ecoa diretamente a compreensão paulina.
4.3 Irineu de Lyon
Irineu, escrevendo contra os gnósticos no final do segundo século, defende que “o corpo também participa da salvação”. Para ele, a redenção é plena apenas se incluir a corporeidade: “se o corpo não é salvo, então o Senhor tampouco o redimiu com seu sangue”[5].
5. Considerações Finais
Portanto A Ressurreição Corporal de Jesus Cristo não é uma formulação posterior, mas um dado central desde os primeiros escritos cristãos, como Gálatas. Paulo fundamenta sua vocação apostólica no Cristo ressuscitado corporalmente, e essa visão é continuada pelos Pais da Igreja como elemento essencial da ortodoxia. A ressurreição é, portanto, histórica, corpórea e escatológica, sendo a pedra angular da teologia cristã.
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Referências e Notas
[1] BRUCE, F. F. The Epistle to the Galatians: A Commentary on the Greek Text. Grand Rapids: Eerdmans, 1982. p. 73.
[2] WRIGHT, N. T. The Resurrection of the Son of God. Minneapolis: Fortress Press, 2003. p. 207.
[3] INÁCIO DE ANTIOQUIA. Carta aos Esmirnenses. In: EHRMAN, Bart D. (Ed.). The Apostolic Fathers. Cambridge: Harvard University Press, 2003. p. 89.
[4] JUSTINO MÁRTIR. Primeira Apologia, 18; Diálogo com Trifão, 80. In: The Fathers of the Church. Washington: Catholic University of America Press, 2006. p. 51-52.
[5] IRINEU DE LYON. Contra as Heresias. Livro V, cap. 2–7. In: The Ante-Nicene Fathers, vol. 1. Peabody, MA: Hendrickson Publishers, 1994. p. 525.
[6] STOTT, John. The Message of Galatians. Leicester: IVP Academic, 1986. p. 22; WITHERINGTON III, Ben. Grace in Galatia: A Commentary on Paul's Letter to the Galatians. Grand Rapids: Eerdmans, 1998. p. 14-16.