A obra de Dale C. Allison Jr., The Resurrection of Jesus: Apologetics, Polemics, History, representa uma das mais eruditas e ponderadas contribuições recentes ao debate sobre a historicidade da ressurreição de Jesus de Nazaré. Sua abordagem se caracteriza por uma notável honestidade intelectual, evitando os extremos tanto do ceticismo reducionista quanto do apologetismo acrítico. Contudo, a tese central de Allison, segundo a qual os dados históricos não permitem conclusões definitivas acerca da ressurreição, é passível de revisão crítica à luz dos princípios da melhor explicação historiográfica e da coerência cumulativa dos fatos.
Entre os eventos historicamente atestados, geralmente aceitos por estudiosos de diferentes convicções, destacam-se os seguintes: (1) a morte de Jesus por crucificação sob Pôncio Pilatos; (2) seu sepultamento por José de Arimateia; (3) a descoberta de um túmulo vazio no terceiro dia; (4) múltiplas aparições pós-morte relatadas por diversos indivíduos e grupos; e (5) a transformação radical dos discípulos, culminando na pregação corajosa da ressurreição em Jerusalém. Gary Habermas e Michael Licona sublinham que mesmo estudiosos céticos, como Gerd Lüdemann, reconhecem a autenticidade das experiências visionárias dos primeiros seguidores de Jesus.¹
Ademais, vários desses dados satisfazem os principais critérios de autenticidade empregados pela crítica histórica contemporânea. O relato do sepultamento de Jesus por José de Arimateia, um membro do Sinédrio — o mesmo conselho que condenou Jesus — satisfaz o critério do constrangimento, pois é improvável que os primeiros cristãos tenham inventado que um inimigo de Jesus teve papel central em seu sepultamento. Além disso, o testemunho de mulheres como as primeiras a descobrirem o túmulo vazio é duplamente significativo: não apenas é embaraçoso, dado o baixo status das mulheres como testemunhas legais no contexto judaico da época (critério do constrangimento), como também aparece em múltiplas fontes independentes (critério da múltipla atestação), como os evangelhos sinóticos e João. Esses elementos reforçam a plausibilidade histórica dos eventos relatados.
Allison reconhece a relevância desses dados, mas sustenta que a ambiguidade inerente às fontes neotestamentárias impede uma conclusão robusta sobre a realidade da ressurreição. Tal postura, embora metodologicamente prudente, não deve inibir a aplicação do princípio da inferência à melhor explicação. Como defende Richard Swinburne, uma hipótese teísta que confere coesão, simplicidade explicativa e poder preditivo aos dados empíricos não deve ser descartada ex ante, mas avaliada em termos comparativos.²
O contexto judaico do primeiro século, torna altamente improvável a fabricação de uma narrativa sobre um Messias ressuscitado no meio da história. A esperança escatológica judaica não previa a ressurreição isolada de um indivíduo antes do fim dos tempos.³ No pensamento judaico do Segundo Templo, a ressurreição era concebida como um evento coletivo e escatológico, reservado para o último dia. A ideia de que um suposto Messias — ainda mais um que fora crucificado, considerado maldito segundo Deuteronômio 21:23 — pudesse ser ressuscitado isoladamente no meio da história era inadmissível e insustentável para a mentalidade judaica do período. O surgimento abrupto e inesperado da crença na ressurreição de Jesus, portanto, constitui um desafio significativo a qualquer tentativa de reduzi-la a meras construções teológicas ou projeções psicológicas. Tal evento, segundo estudiosos como Wright e Sanders, teria causado dissonância cognitiva profunda inclusive entre os próprios discípulos, os quais, de acordo com os relatos mais antigos, inicialmente reagiram com medo, dúvida e incompreensão à possibilidade de que Jesus houvesse ressuscitado.⁴ Essa reação dos seguidores mais íntimos é precisamente o tipo de dado que reforça a historicidade do evento, dado seu alto valor explicativo sob o critério do constrangimento.
N.T. Wright, em sua análise historiográfica monumental, sustenta que as explicações naturalistas propostas — como alucinações, roubo do corpo, visões subjetivas ou lendas pós-pascais — falham em explicar adequadamente o conjunto de evidências emergentes do primeiro século.⁵ A narrativa da ressurreição não apenas surgiu abruptamente, mas reformulou profundamente a escatologia judaica, a cristologia incipiente e a prática litúrgica dos primeiros cristãos.
O princípio da melhor explicação exige não apenas plausibilidade, mas também poder explanatório, abrangência e congruência com os dados. Nesse sentido, a hipótese de que Jesus ressuscitou corporalmente dos mortos é, de modo cumulativo, a explicação mais adequada aos dados históricos preservados. A tese de Allison, embora valiosa por sua cautela crítica, não supera a força explanatória da tradição pascal primitiva, que insiste, contra toda expectativa cultural, que "Deus o ressuscitou dentre os mortos" (At 2:24).
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Referências
1. LÜDEMANN, Gerd. The Resurrection of Jesus: History, Experience, Theology. Minneapolis: Fortress Press, 1994. p. 80-85.
2. SWINBURNE, Richard. The Resurrection of God Incarnate. Oxford: Oxford University Press, 2003. p. 187-202.
3. SOARES, Diogo J. Evidências Históricas e Racionais da Ressurreição de Jesus. Disponível em: https://www.diogojsoares.com.br. Acesso em: 08 maio 2025.
4. SANDERS, E. P. The Historical Figure of Jesus. London: Penguin Books, 1993. p. 275-278; BROWN, Raymond E. The Death of the Messiah. New York: Doubleday, 1994. p. 1320-1325.
5. WRIGHT, N. T. The Resurrection of the Son of God. Minneapolis: Fortress Press, 2003. p. 686-728.