As Descobertas em Serabit el-Khadim e O Êxodo

 

As Descobertas em Serabit el-Khadim e O Êxodo


Neste artigo analisaremos em profundidade as descobertas arqueológicas em Serabit el-Khadim, no Sinai, desde as primeiras escavações conduzidas por Flinders Petrie em 1904-1905, passando pelas expedições de 1927 e 1930 patrocinadas por Harvard e pela Universidade Católica da América, até os estudos modernos do Dr. Douglas Petrovich sobre a inscrição Sinai 361. O artigo demonstra como essas evidências convergem para reforçar a historicidade da narrativa bíblica, especialmente no que tange à existência de Moisés e ao evento do Êxodo.

1. Introdução

Serabit el-Khadim, localizado na região sudoeste da Península do Sinai, é um dos sítios arqueológicos mais importantes do Antigo Oriente Próximo. Reconhecido principalmente por conter os primeiros exemplos conhecidos de escrita alfabética, o local também oferece evidências culturais e religiosas que conectam os antigos povos semitas ao Egito faraônico. Ao longo do século XX, três expedições principais contribuíram para nossa compreensão do sítio: a de Flinders Petrie (1904-1905), a visita de Harvard (1927) e a expedição Harvard-Catholic University (1930).

2. As Escavações de Flinders Petrie (1904-1905)

Sir William Matthew Flinders Petrie foi o primeiro arqueólogo a realizar escavações sistemáticas em Serabit el-Khadim. Sob patrocínio do Egypt Exploration Fund, Petrie explorou as minas de turquesa da região e o templo da deusa Hathor, descobrindo uma série de inscrições em um sistema desconhecido até então. Petrie sugeriu que essas marcas representavam uma forma primitiva de escrita alfabética utilizada por trabalhadores semitas em contato com a cultura egípcia [1].

3. Expedição de 1927: Redescoberta e Estímulo Acadêmico

A visita de uma equipe da Universidade Harvard em 1927 teve como objetivo inicial a exploração religiosa do Monte Sinai. Contudo, ao redescobrirem inscrições proto-sinaíticas previamente documentadas por Petrie, os estudiosos perceberam o valor arqueológico do sítio. Esse evento foi crucial para a organização da expedição conjunta de 1930.

4. Expedição Harvard-Universidade Católica da América (1930)

Conduzida com o objetivo de realizar um levantamento completo das inscrições, templos e minas, a expedição conjunta publicou suas conclusões na Harvard Theological Review em 1932. Dentre os envolvidos, destacaram-se Kirsopp Lake, Robert P. Blake e Romain F. Butin [2]. Suas publicações confirmaram que as inscrições representavam um sistema alfabético semítico primitivo e estabeleceram uma conexão entre o povo semita e a religião egípcia, especialmente no culto a Hathor.

5. O Alfabeto Proto-Sinaítico e sua Relevância Histórica

As descobertas feitas em Serabit el-Khadim revelaram um sistema de escrita alfabética conhecido como alfabeto proto-sinaítico, considerado hoje a forma mais antiga de escrita alfabética. Este sistema, datado de aproximadamente 1900 a.C., é anterior ao alfabeto fenício em vários séculos, o que redefine profundamente a cronologia tradicional do surgimento das línguas semíticas escritas. Essa escrita baseava-se em hieróglifos egípcios, adaptados foneticamente para representar consoantes das línguas semíticas, provavelmente por trabalhadores semitas empregados nas minas egípcias.

A partir desse sistema, é plausível que tenham evoluído os alfabetos posteriores, como o proto-cananeu, o fenício, o paleo-hebraico e o aramaico. A localização geográfica das inscrições, o período histórico e o contexto sociocultural tornam também possível que figuras históricas como Moisés tenham tido contato direto com esse sistema de escrita e eventualmente o utilizado para registrar eventos e instruções, inclusive os textos legais atribuídos a ele na tradição bíblica.

Estudos contemporâneos têm corroborado a relevância do proto-sinaítico para a história da escrita. Orly Goldwasser argumenta que o sistema proto-sinaítico foi criado por trabalhadores semitas que reinterpretaram signos egípcios de maneira fonética, formulando assim o primeiro alfabeto [6]. Christopher Rollston, reconhece que as inscrições representam um sistema semítico primitivo e funcional [4]. Thomas Schneider, ainda que discorde da identificação direta com nomes hebraicos, admite que a cronologia e o contexto cultural apontam para uma presença semita coerente com os registros arqueológicos do Egito e do Sinai [5].

Assim, apesar de divergências entre estudiosos quanto à linguagem específica e identidade étnica dos autores das inscrições, há um consenso crescente sobre a antiguidade e a inovação representada pelo proto-sinaítico. Tais evidências são de grande valor para a reconstrução histórica das origens das tradições literárias e religiosas do Oriente Próximo.

6. A Inscrição Sinai 361 e Douglas Petrovich

A inscrição denominada Sinai 361 foi descoberta na expedição de Flinders Petrie, fora posteriormente analisada em detalhes pelo Dr. Douglas Petrovich, professor e arqueólogo especializado em inscrições semíticas antigas. Em sua obra The World's Oldest Alphabet (2016) [3], Petrovich traduziu a inscrição como:

- "Nossa servidão prolongou-se. Moisés então provocou espanto. É um ano de espanto por causa da Senhora."

Nesta leitura, "Moisés" (Moshe) é identificado como uma figura histórica ativa no contexto das inscrições, atuando como libertador em meio à servidão de um povo. A "Senhora" é interpretada como Hathor, fazendo eco ao episódio do bezerro de ouro.

Petrovich também defende que o hebraico foi a língua do primeiro alfabeto e que os israelitas estavam presentes no Egito como parte da população semita mineradora. Seus argumentos têm sido criticados por estudiosos como Christopher Rollston [4] e Thomas Schneider [5], que questionam a identificação de nomes e a metodologia linguística. No entanto, a estrutura e o contexto da inscrição apoiam uma interpretação que é plausível dentro dos parâmetros arqueológicos e linguísticos conhecidos.

7. Conclusão: Fundamentação Histórica da Narrativa Bíblica

As escavações em Serabit el-Khadim, de Petrie até Petrovich, revelam um quadro coeso: populações semitas atuavam como mineiros em solo egípcio, desenvolveram um sistema de escrita alfabética com base em hieróglifos egípcios, e expressaram elementos religiosos compatíveis com o ambiente do Êxodo. Embora as leituras não sejam consensuais, a proposta de que Moisés tenha sido uma figura real, registrada em inscrições antigas, é uma hipótese academicamente séria e plausível.

Assim, as evidências de Serabit el-Khadim fortalecem a ideia de que a Bíblia possui uma alta fundamentação histórica, sustentada por achados arqueológicos, dados linguísticos e análise crítica interdisciplinar.

___________

Referências e Notas

[1] PETRIE, William M. F. Researches in Sinai. London: John Murray, 1906.

[2] LAKE, Kirsopp; BLAKE, Robert P.; BUTIN, Romain F. The Serabit Expedition of 1930. Harvard Theological Review, v. 25, n. 1, p. 1-80, 1932.

[3] PETROVICH, Douglas. The World's Oldest Alphabet: Hebrew as the Language of the Proto-Consonantal Script. Jerusalem: Carta, 2016.

[4] ROLLSTON, Christopher. Review of Petrovich's World's Oldest Alphabet. Rollston Epigraphy, 2017. Disponível em: https://www.rollstonepigraphy.com. Acesso em: 1 jun. 2025.

[5] SCHNEIDER, Thomas. A Critique of Douglas Petrovich's Proposal. Journal of Ancient Semitic Studies, v. 5, n. 2, 2018.

[6] GOLDWASSER, Orly. Canaanites a Reading Hieroglyphs: Horus is Hathor? – The Invention of the Alphabet in Sinai. Ägypten und Levante, v. 16, p. 121–160, 2006.

DIOGO J. SOARES

Doutor (Ph.D.) em Novo Testamento e Origens Cristãs pelo Seminário Bíblico de São Paulo/SP (FETSB); Mestre (M.A.) em Teologia e Estudos Bíblicos pela Faculdade Teológica Integrada e graduado (Th.B.) pelo Seminário Unido do Rio de Janeiro (STU). Possuí Especialização em Ciências Bíblicas e Interpretação pelo Seminário Teológico Filadelfia/PR (SETEFI). Bacharel (B.A.) em História Antiga, Social e Comparada pela Universidade de Uberaba (UNIUBE/MG). É teólogo, biblista, historiador e apologista cristão evangélico.

Postar um comentário

Postagem Anterior Próxima Postagem