A Profecia das Setenta Semanas em Daniel 9:24-27 e o Decreto de 445 a.C.: Uma Análise Exegética, Histórica e Escatológica




A profecia das Setenta Semanas, registrada em Daniel 9:24-27, é uma das passagens mais significativas da escatologia bíblica, servindo como base para a compreensão da obra do Messias, da história de Israel e dos eventos do "tempo do fim". Sua linguagem simbólica, estruturada em semanas proféticas, exige uma abordagem exegética rigorosa que considere o contexto histórico, linguístico e teológico do texto. Neste breve estudo proporemos uma análise acadêmica e expansiva do oráculo profético, com destaque para o decreto de 445 a.C. dado a Neemias como o ponto de partida mais adequado para a contagem das semanas.

1. Análise Exegética de Daniel 9:24-27

O texto apresenta uma estrutura profética dividida em três partes: 7 semanas, 62 semanas e 1 semana final, totalizando 70 semanas de anos (shavuim), o que corresponde a 490 anos. Essa leitura é justificada com base na equivalência entre "semanas" e conjuntos de sete anos, como ocorre em Levítico 25:8. A profecia é dirigida à cidade santa (Jerusalém) e ao povo de Daniel (Israel), visando seis objetivos escatológicos (Dn 9:24): acabar com a transgressão, dar fim aos pecados, expiar a iniquidade, trazer a justiça eterna, selar a visão e a profecia, e ungir o Santo dos Santos. No versículo 25, o anjo Gabriel informa que as semanas começariam "desde a saída da ordem para restaurar e edificar Jerusalém" até o "Messias, o Príncipe". A divisão em 7 semanas (49 anos) e 62 semanas (434 anos) antecede diretamente o surgimento do Messias. No versículo 26, afirma-se que o Messias seria "cortado" (morto) após as 69 semanas, e que viria a destruição da cidade e do santuário por "um povo de um príncipe que há de vir", referência clássica à destruição de Jerusalém pelos romanos em 70 d.C. Finalmente, o verso 27 trata da última semana, em que há uma aliança feita por "um" com muitos, e na metade da semana há a cessação dos sacrifícios.

2. O Caráter do Decreto de 445 a.C.

Há quatro decretos principais considerados como possíveis pontos de partida para a contagem profética: o decreto de Ciro (538 a.C.), de Dario I (520 a.C.), de Artaxerxes I a Esdras (457 a.C.), e o de Artaxerxes I a Neemias (445 a.C.). Dos quatro, o último é o único que faz referência explícita à reconstrução das "muralhas e ruas" de Jerusalém (Neemias 2:1-8), elementos textualmente citados em Daniel 9:25. Ao conceder autorização a Neemias para reconstruir os muros e portões da cidade, Artaxerxes estabeleceu o início de uma restauração literal da capital judaica, confirmando o caráter urbano e político do decreto.

A natureza do decreto de 457 a.C., embora significativa, concentra-se na estrutura religiosa e legal da comunidade judaica (Esdras 7:11-26), sem menção direta à reconstrução da cidade. Exegetas como J. Barton Payne [1] e Edward J. Young [2] reconhecem a validade teológica desse decreto, mas apontam que o de Neemias é mais textual e preciso em relação ao contexto de Daniel 9:25.

3. Cálculo Profético e a Morte do Messias

A tradição exegética conservadora considera um ano profético como contendo 360 dias, com base em evidências bíblicas (cf. Gn 7:11; 8:3-4; Ap 11:2-3; 12:6,14). Ao aplicar esse modelo ao decreto de 445 a.C., temos:

69 semanas x 7 anos = 483 anos

483 x 360 dias = 173.880 dias

Iniciando em Nisã (março/abril) de 445 a.C., os 173.880 dias culminam em aproximadamente 6 de abril de 32 d.C., data tradicionalmente atribuída à entrada triunfal de Jesus em Jerusalém.

A crucificação teria ocorrido quatro dias depois, em 11 de abril de 32 d.C. (Nisã 14), cumprindo literalmente Daniel 9:26: "será cortado o Messias". Assim, a morte do Senhor Jesus acontece logo após o fim das 69 semanas, e antes da última semana, conforme o esperado. Esse modelo é desenvolvido com profundidade cronológica por Sir Robert Anderson [5] e seguido por diversos teólogos e exegetas posteriores.

4. Avaliação Hermenêutica e Consistência Teológica

O uso do decreto de Neemias (445 a.C.) encontra apoio em diversos estudiosos conservadores que prezam pela leitura literal-histórica do texto profético. John F. Walvoord [4] afirma que a cronologia baseada nesse decreto oferece uma das demonstrações mais fortes da precisão profética da Escritura. Gleason Archer [3] e Harold Hoehner [6] também sustentam que o decreto de 445 a.C. é mais apropriado ao contexto linguístico de Daniel 9, pois responde com mais clareza ao comando de "reedificar Jerusalém" em meio a "tempos difíceis" (cf. oposição em Neemias 4).

Conclusão

Desse modo portanto a interpretação exegética das Setenta Semanas de Daniel deve considerar não apenas a teologia do texto, mas também a sua precisão histórica e literária. Ao analisarmos os decretos emitidos pelos reis persas, evidencia-se que o de 445 a.C. é o único que corresponde literalmente à profecia de reconstrução da cidade, e é o que melhor se alinha à manifestação pública e à morte do Messias. A exatidão cronológica do cumprimento profético é um testemunho da autoridade das Escrituras e da soberania de Deus na História Redentiva.

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Referências

[1] PAYNE, J. Barton. Encyclopedia of Biblical Prophecy. Grand Rapids: Baker, 1973.

[2] YOUNG, Edward J. The Prophecy of Daniel. Grand Rapids: Eerdmans, 1949.

[3] ARCHER, Gleason L. A Survey of Old Testament Introduction. Chicago: Moody Press, 1994.

[4] WALVOORD, John F. Daniel: The Key to Prophetic Revelation. Chicago: Moody Press, 1971.

[5] ANDERSON, Robert. The Coming Prince. London: Hodder & Stoughton, 1895.

[6] HOEHNER, Harold W. Chronological Aspects of the Life of Christ. Grand Rapids: Zondervan, 1977.


DIOGO J. SOARES

Doutor (Ph.D.) em Estudos Bíblicos e Exegese pelo Seminário Bíblico de São Paulo/SP (FETSB); Mestre (M.A.) em Estudos Bíblicos pela Faculdade Teológica Integrada e graduado (Th.B.) pelo Seminário Unido do Rio de Janeiro (STU). Possuí Especialização em Ciências Bíblicas e Interpretação pelo Seminário Teológico Filadelfia/PR (SETEFI). Bacharel (B.A.) em História Antiga, Social e Comparada pela Universidade de Uberaba (UNIUBE/MG).É historiador, biblista, teólogo e apologista cristão evangélico.

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