O tema da Ressurreição ocupa lugar central na teologia paulina, como se vê de modo proeminente em 1 Coríntios 15, Romanos 8, 1 Tessalonicenses 4 e, de maneira particular, em Filipenses 3. Nesta carta, escrita a partir da prisão, Paulo entrelaça sua experiência de sofrimento com sua expectativa escatológica, destacando tanto a participação na ressurreição futura quanto a transformação do corpo à semelhança de Cristo glorificado. No presente estudo buscaremos analisar Filipenses 3:10-11 e 20-21 de forma exegética no grego koiné, apresentando transliteração, tradução e desenvolvimento teológico, em diálogo com biblistas e teólogos contemporâneos.
Análise Exegética de Filipenses 3:10-11
Texto grego
τοῦ γνῶναι αὐτὸν καὶ τὴν δύναμιν τῆς ἀναστάσεως αὐτοῦ καὶ [τὴν] κοινωνίαν [τῶν] παθημάτων αὐτοῦ, συμμορφούμενος τῷ θανάτῳ αὐτοῦ, εἴ πως καταντήσω εἰς τὴν ἐξανάστασιν τὴν ἐκ νεκρῶν.
Transliteração
tou gnōnai auton kai tēn dynamin tēs anastaseōs autou kai [tēn] koinōnian [tōn] pathēmatōn autou, symmorphoumenos tō thanatō autou, ei pōs katantēsō eis tēn exanastasin tēn ek nekrōn.
Tradução
“Para conhecê-lo, e o poder da sua ressurreição, e a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me com a sua morte, para ver se de algum modo alcançarei a ressurreição dentre os mortos.”
Observações exegéticas
1. O infinitivo τοῦ γνῶναι (tou gnōnai, “para conhecer”) indica o alvo supremo de Paulo: conhecer Cristo em sua plenitude. Esse conhecer não é apenas cognitivo, mas existencial.
2. A expressão τὴν δύναμιν τῆς ἀναστάσεως (tēn dynamin tēs anastaseōs, “o poder da ressurreição”) aponta tanto para o poder vivificante já atuante na vida do crente (Rm 6:4-5), como para a ressurreição futura.
3. O termo ἐξανάστασιν (exanastasin, “ressurreição dentre”) é raro no NT, reforçando o aspecto escatológico e distintivo: trata-se da ressurreição dos crentes, não de uma mera sobrevivência espiritual.
Análise Exegética de Filipenses 3:20-21
Texto grego
ἡμῶν γὰρ τὸ πολίτευμα ἐν οὐρανοῖς ὑπάρχει, ἐξ οὗ καὶ σωτῆρα ἀπεκδεχόμεθα κύριον Ἰησοῦν Χριστόν· ὃς μετασχηματίσει τὸ σῶμα τῆς ταπεινώσεως ἡμῶν σύμμορφον τῷ σώματι τῆς δόξης αὐτοῦ κατὰ τὴν ἐνέργειαν τοῦ δύνασθαι αὐτὸν καὶ ὑποτάξαι αὑτῷ τὰ πάντα.
Transliteração
hēmōn gar to politeuma en ouranois hyparchei, ex hou kai sōtēra apekdechometha kyrion Iēsoun Christon; hos metaschēmatisei to sōma tēs tapeinōseōs hēmōn symmorphon tō sōmati tēs doxēs autou kata tēn energeian tou dynasthai auton kai hypotaxai hautō ta panta.
Tradução
“Pois a nossa cidadania está nos céus, de onde também aguardamos como Salvador o Senhor Jesus Cristo, o qual transformará o corpo da nossa humilhação, para ser conforme ao corpo da sua glória, segundo a eficácia do poder que ele tem até para sujeitar a si todas as coisas.”
Observações exegéticas
1. πολίτευμα (politeuma, “cidadania”) remete ao status presente dos cristãos como pertencentes à pátria celestial, em contraste com a realidade terrena de humilhação.
2. O verbo μετασχηματίσει (metaschēmatisei, “transformará”) indica mudança radical de condição, não mera substituição, mas transformação do mesmo corpo.
3. A expressão σῶμα τῆς ταπεινώσεως (sōma tēs tapeinōseōs, “corpo da humilhação”) descreve a fragilidade, mortalidade e corrupção atuais.
4. Em contraste, σῶμα τῆς δόξης (sōma tēs doxēs, “corpo da glória”) refere-se ao corpo ressuscitado de Cristo, modelo e paradigma da transformação escatológica.
Desenvolvimento Teológico
Paulo não entende a salvação como libertação da materialidade, mas como redenção do corpo (Rm 8:23). O “corpo de humilhação” não será descartado, mas transformado pelo poder de Cristo ressuscitado. Essa visão contrasta com a filosofia helenística, que desprezava o corpo, e reflete o enraizamento da fé cristã no evento histórico da ressurreição de Jesus [1].
Para Paulo, a ressurreição é:
Cristológica: fundamentada no corpo glorificado de Cristo (Fp 3:21; 1Co 15:20).
Escatológica: acontece plenamente na Parousia (1Ts 4:16).
Antropológica: envolve a totalidade do ser humano, corpo e alma.
Diálogo com a tradição acadêmica
Gordon Fee sustenta que Filipenses 3:20-21 apresenta uma das expressões mais fortes da escatologia corporal paulina, sendo inseparável da cristologia da exaltação [2]. N. T. Wright argumenta que Paulo rompe radicalmente com visões platônicas, reafirmando que a esperança cristã não é imortalidade da alma, mas ressurreição corpórea [3]. Ralph Martin destaca que o uso de μετασχηματίσει implica uma mudança qualitativa que transcende a experiência presente, mas mantém a continuidade pessoal do crente [4].
Conclusão
Por conseguinte a análise exegética de Filipenses 3 mostra que a compreensão paulina da Ressurreição é corporal, transformadora e cristocêntrica. Paulo enxerga a vida presente como participação nos sofrimentos de Cristo, orientada pela esperança da transformação futura. O corpo do crente, agora marcado pela humilhação, será conformado ao corpo glorioso do Senhor Jesus. Essa esperança fundamenta a ética cristã, a perseverança diante do sofrimento e a confiança escatológica. Originalmente, a força do texto paulino está em unir o já do poder da Ressurreição atuante no presente à ainda não da expectativa escatológica futura. Assim, a fé cristã não anula o corpo, mas o redime plenamente, cumprindo a promessa de Deus de restaurar toda a criação.
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Referências
[1] DUNN, James D. G. The Theology of Paul the Apostle. Grand Rapids: Eerdmans, 1998.
[2] FEE, Gordon D. Paul’s Letter to the Philippians. The New International Commentary on the New Testament. Grand Rapids: Eerdmans, 1995.
[3] WRIGHT, N. T. The Resurrection of the Son of God. Minneapolis: Fortress Press, 2003.
[4] MARTIN, Ralph P. Philippians. Tyndale New Testament Commentaries. Downers Grove: InterVarsity Press IVP, 1987.