A Ressurreição Corporal de Jesus: Testemunho, Mentalidade Judaica e o Escândalo do Messias Crucificado

 



A Ressurreição do Senhor Jesus é o núcleo do kerigma cristão primitivo e, ao mesmo tempo, o evento mais inusitado do ponto de vista da mentalidade judaica do Segundo Templo. Os textos do Novo Testamento, especialmente 1 Coríntios 15 e Gálatas 1, revelam não apenas a centralidade da ressurreição, mas também a consciência dos apóstolos acerca da gravidade de testemunhar falsamente diante de Deus. Neste breve artigo examinaremos a Ressurreição corporal de Cristo no contexto histórico e teológico do judaísmo do primeiro século, com atenção às implicações éticas do testemunho sob juramento, bem como à forma como estudiosos contemporâneos analisam este acontecimento.

1. A Mentalidade Judaica do Segundo Templo

O judaísmo do período do Segundo Templo era caracterizado por uma visão pragmática e histórica da fé. A ideia de anástasis (Ressurreição) significava, no horizonte judaico, a restauração do corpo à vida, no fim dos tempos, acompanhada do juízo e da renovação de Israel. Não havia espaço para concepções meramente alegóricas ou espirituais da ressurreição, típicas de correntes filosóficas greco-romanas [1]. N. T. Wright argumenta que a ressurreição, no contexto judaico, era compreendida como um evento coletivo, futuro e corporal. O anúncio de que um indivíduo — e justamente um Messias crucificado — havia ressuscitado “no meio da história” foi absolutamente inesperado e inusitado, contrariando toda expectativa religiosa tradicional [2].

2. O Escândalo de um Messias Crucificado

A crucifixão, na perspectiva judaica, representava o fracasso absoluto de qualquer pretensão messiânica. Segundo Deuteronômio 21:23, “maldito todo aquele que for pendurado no madeiro”. Para um fariseu como Saulo de Tarso, Jesus não poderia ser o Cristo, mas um impostor perigoso, cujo movimento precisava ser erradicado. Foi nesse contexto que Paulo se destacou como perseguidor do cristianismo nascente, antes de sua radical transformação [3]. E. P. Sanders observa que a novidade cristã não consistia em proclamar a imortalidade da alma, algo familiar no helenismo, mas sim em anunciar que Jesus ressuscitou corporalmente como primícias da ressurreição final. Para Sanders, esse é um dos dados mais seguros da história: os discípulos e Paulo tiveram experiências que eles interpretaram como aparições do Ressuscitado, experiências que mudaram radicalmente suas vidas [4].

3. Testemunho e Juramento Diante de Deus

Em 1 Coríntios 15:14–15, Paulo levanta a hipótese devastadora: se Cristo não ressuscitou, “somos falsos testemunhos de Deus”. No contexto judaico, dar falso testemunho era uma violação gravíssima da Torá (Êxodo 20:16; Deuteronômio 19:16–21). Mas Paulo vai além: ao testemunhar a ressurreição, ele invoca o próprio Deus como garante da veracidade do anúncio.

Esse padrão é ainda mais explícito em Gálatas 1:20, quando afirma: “Eis que diante de Deus testifico que não minto.” Aqui, Paulo faz um juramento formal em nome de Deus, atestando a veracidade de sua experiência com o Cristo ressuscitado. Um judeu ortodoxo jamais arriscaria blasfemar atribuindo a Deus uma mentira dessa magnitude. O peso ético-religioso do testemunho torna insustentável a hipótese de fraude deliberada [5].

4. O Corpo Ressuscitado em 1 Coríntios 15

1 Coríntios 15 é o tratado mais desenvolvido do Novo Testamento sobre a ressurreição. Paulo recorre a uma tradição recebida (vv. 3–5), na qual lista as aparições do Ressuscitado. O uso do verbo grego egeírō no perfeito passivo — “foi ressuscitado” — indica uma ação histórica, objetiva e definitiva [6]. O apóstolo distingue entre “corpo natural” (sōma psychikon) e “corpo espiritual” (sōma pneumatikon). Longe de opor físico a não-físico, Paulo está descrevendo o mesmo corpo transformado, agora vivificado pelo Espírito. George Eldon Ladd interpreta essa distinção como coerente com a mentalidade judaica: trata-se de uma ressurreição real, corpórea, mas em nova condição escatológica [7].

5. O Testemunho Apostólico e a Origem do Cristianismo

A fé na ressurreição corporal de Jesus explica tanto a transformação dos discípulos como a propagação do cristianismo. Um grupo de judeus não sustentaria por décadas, sob hostilidades, perseguição e até martírio, uma mensagem que sabiam ser falsa. Enfatizamos que, para a mentalidade pragmática judaica, um falso testemunho atribuído a Deus seria impensável; o fato de os apóstolos insistirem na ressurreição indica que estavam absolutamente convictos de sua realidade [8].

6. Perspectiva Acadêmica Contemporânea

Embora os historiadores divergiam quanto à natureza ontológica do evento, há amplo consenso em torno de alguns pontos mínimos:

1. Jesus foi crucificado.

2. Após sua morte, discípulos e Paulo tiveram experiências que interpretaram como aparições do Ressuscitado.

3. Essas experiências originaram a fé cristã primitiva [9].

Sanders aceita esses pontos, mas mantém cautela quanto a explicar o “como” dessas experiências[4]. Wright, por sua vez, sustenta que apenas a ressurreição corporal literal explica satisfatoriamente tanto o túmulo vazio quanto as aparições [2]. Ladd também converge nessa direção, defendendo que a ressurreição corporal é a única explicação plausível para o surgimento da fé apostólica, ainda que a aceitação do evento envolva fé [7].

Considerações Finais

A análise histórica, bíblica e teológica da ressurreição de Jesus mostra que:

1. O conceito de ressurreição no judaísmo do Segundo Templo implicava uma realidade corpórea e escatológica.

2. O anúncio de que um Messias crucificado havia ressuscitado “no meio da história” era algo absolutamente inesperado e contraintuitivo.

3. O testemunho dos apóstolos, dado sob juramento diante de Deus, adquire peso ético-religioso máximo, tornando improvável qualquer fraude deliberada.

4. O consenso acadêmico confirma que as experiências de ressurreição são um dado histórico, embora a interpretação ontológica divida opiniões.

À luz das evidências, a ressurreição de Jesus se apresenta como o evento mais plausível para explicar o surgimento do Cristianismo, sendo proclamada pelos apóstolos não como metáfora, mas como fato corporal e transformador, atestado sob juramento diante de Deus.

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Referências

[1] WRIGHT, N. T. The Resurrection of the Son of God. Minneapolis: Fortress Press, 2003.

[2] WRIGHT, N. T. Christian Origins and the Resurrection of Jesus: The Resurrection of Jesus as a Historical Problem. London: SPCK, 2003.

[3] A Bíblia Sagrada. Atos dos Apóstolos 9; Filipenses 3:5-6.

[4] SANDERS, E. P. The Historical Figure of Jesus. London: Penguin Books, 1993.

[5] A Bíblia Sagrada. Gálatas 1:20; 1 Coríntios 15:14-15.

[6] SOARES, Diogo J. “A Ressurreição Corporal em 1 Coríntios 15”. 2025. Disponível em: https://www.diogojsoares.com.br/2025/05/a-ressurreicao-corporal-em-1-corintios.html. Acesso em: 1 set. 2025.

[7] LADD, George Eldon. I Believe in the Resurrection of Jesus. Grand Rapids: Eerdmans, 1975.

[8] SOARES, Diogo J. “A Ressurreição de Jesus como Explicação Mais Coerente”. 2024. Disponível em: https://www.diogojsoares.com.br/2024/12/a-ressurreicao-de-jesus-como-explicacao.html. Acesso em: 1 set. 2025.

[9] SANDERS, E. P.; ALLISON, Dale C.; EHRMAN, Bart D.; WRIGHT, N. T. Diversos estudos sobre o Jesus histórico e a ressurreição.

DIOGO J. SOARES

Doutor (Ph.D.) em Estudos Bíblicos e Exegese pelo Seminário Bíblico de São Paulo/SP (FETSB); Mestre (M.A.) em Estudos Bíblicos pela Faculdade Teológica Integrada e graduado (Th.B.) pelo Seminário Unido do Rio de Janeiro (STU). Possuí Especialização em Ciências Bíblicas e Interpretação pelo Seminário Teológico Filadelfia/PR (SETEFI). Bacharel (B.A.) em História Antiga, Social e Comparada pela Universidade de Uberaba (UNIUBE/MG).É historiador, biblista, teólogo e apologista cristão evangélico.

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